08 fevereiro 2008

O livro de Jonas: uma possibilidade de leitura

O livro de Jonas é uma obra situada no período pós-exílio e constitui uma parábola sobre as relações entre o povo eleito, representado pelo profeta a quem foi dirigida a palavra de Deus, e as nações pagãs. Surpreendentemente lança um olhar benevolente sobre os povos não judeus e aponta para uma universalidade do amor de Deus.

Uma possível chave de leitura consiste em considerar o profeta como o arquétipo do povo da aliança em oposição aos povos das diversas nações pagãs (representadas pelos marinheiros e pelos ninivitas). Assim, comparativamente, temos Jonas fugindo de sua missão, buscando um caminho contrário ao indicado por Javé (cf. Jn 1, 1-3), enquanto os marinheiros, temendo a ira dos deuses convidam o profeta a invocar seu Deus (Jn 1, 4-6). Jonas se confessa hebreu e adorador de Javé, e os marinheiros o repreendem por recusar a missão e o jogam no mar, fazem então uma oferenda ao Deus dos judeus (Jn 1, 8-16). Aqui o profeta é o único que se recusa a fazer a vontade de Javé.

Na cena seguinte (ver cap. 2) Jonas é engolido por um peixe por 3 dias e depois de orar é salvo, chegando finalmente em Nínive, seu destino.

Mais uma vez Jonas é enviado a pregar a palavra de Javé aos ninivitas. Aqui também encontramos o mesmo esquema: Jonas deveria percorrer a cidade em 3 dias, mas nem o primeiro acabara e o povo da cidade já tinha se convertido (ver cap. 3). Novamente os pagãos são obedientes a Deus, enquanto Jonas se irrita porque Javé desistiu da destruição da cidade.

A lição que Deus dá em Jonas (cap. 4) é de que se compadece dos povos todos, assim como o profeta se compadecera da planta que nascera sem a sua ajuda e morrera em tão pouco tempo.

Há também referências à história de Jonas no Segundo Testamento: No evangelho (cf. Mt 12, 38-42 ; Mt 16, 4; Mc 8, 11-12; Lc 11, 16.19-32), Jesus recusa um sinal aos seus opositores e diz não haver outro sinal a não ser o de Jonas. Assim, o tempo no ventre do peixe passa a significar para os cristãos os três dias em que Cristo passaria no seio da terra que antecederiam sua ressurreição. Jesus aponta ainda para a dureza dos corações de sua geração, que serão acusadas por Nínive de não terem acreditado. Esse é o sinal de Jonas a que se referem os Evangelhos.

Em outro ponto podemos comparar o momento quando Jonas dormia no navio durante a tempestade e a passagem em que Jesus acalma o mar revoltoso também depois de ser acordado (cf. Mt 8, 23-27 ; Mc 4, 31-41; Lc 8, 23-25).

Vimos, portanto, que girando em torno de um eixo semântico (vontade de Deus), podemos interpretar o livro em função dos que cumprem a vontade de Javé (pagãos) e dos que não o cumprem (Jonas/povo judeu). O autor parece chamar atenção do seu povo contra uma atitude de exclusivismo, muito acentuada na história dos judeus. Leva, assim, a refletir sobre uma abertura às demais nações como gente que é capaz de se converter a Deus e ser mais fiel do que o próprio povo a quem foi dirigida a revelação. O escritor sagrado parece também recusar que a missão de Israel fosse apenas ser um povo eleito. Jonas é convidado a anunciar a palavra de Deus aos pagãos. Pergunta-se, portanto: não seria a missão de Israel uma missão profética de um anúncio libertador? Não seria o papel do povo eleito aproveitar seus momentos de exílio, de dispersão entre os outros povos, para anunciar-lhes as maravilhas de Javé? O fechamento exclusivista e arrogante não apresenta-se como uma atitude coerente com a vontade de Deus manifestada no livro de Jonas.

Por fim, percebemos também a atualidade dessa obra, visto que se faz cada vez mais necessário um diálogo inter-religioso fecundo que possibilite encontrar caminhos de paz no mundo. Hoje mais do que nunca a tecnologia e a comunicação transformam o mundo numa aldeia global e pessoas de diferentes etnias e credos estão conectadas, seja virtualmente, seja em situações de proximidade física. Nesse processo em que as culturas se tocam e se modificam mutuamente, é impossível que não haja crises de identidade e choques. Por isso mesmo o livro de Jonas ajuda a pensarmos atitudes não só de tolerância (que é um simples deixar ser), mas de reconhecimento (que possibilita um diálogo verdadeiro), um caminho para a paz.