06 outubro 2010

Ética e Moral: qual a diferença?

Infelizmente, a etimologia não ajuda a diferenciar "ética" de "moral". Simplesmente a palavra grega ethos significa morada ou costume. A palavra latina equivalente é mos, moris, que também significa morada, costume. Qualquer diferenciação entre ética e moral veio, portanto, do uso dessas palavras.

No âmbito filosófico, existe o costume (ethos) de definir bem os conceitos para melhor compreensão. Comicamente, esse costume também se aplica a esses termos relativos ao costume: moral significa um conjunto de normas e valores aceitos por um indivíduo ou grupo como corretos (ou seja, os deveres que nos impomos por considerá-los o certo a ser feito).  Ética  seria o estudo filosófico da moral, a busca pela fundamentação da moral, definir os critérios para decidir entre o certo e o errado. Difícil entender? Talvez alguns exemplos nos ajudem...

Uma pessoa que tenha pedido um livro emprestado a seu colega, depois de um tempo, vendo que seu colega não cobrou a devolução, decide ficar com o livro para si, ou vendê-lo ou dar a outra pessoa. Qualquer dessas ações seria considerada moralmente má para uma pessoa religiosa (pois fere o mandamento de não roubar), para uma pessoa que afirme o direito de propriedade privada, para alguém que entenda que violar uma lei (roubo é um crime previsto em lei) é sempre ruim ou para uma pessoa que pense que prejudicar alguém não está correto. 

Percebemos pessoas diferentes condenando o roubo por motivos diferentes. Cada pessoa ou grupo tem suas noções de certo e errado. Umas fundamentam-se na religião, outras no direito, outras nas leis e convenções, outras na regra de ouro. Temos, portanto uma gama variada de "morais", cada qual se fundamenta em noções diferentes de certo ou errado.

O filósofo que reflete sobre esse tema poderia levantar uma série de objeções a cada um dos critérios anteriores: se uma ação é boa porque Deus manda, então se Deus mandasse roubar seria justo fazê-lo? Qual a fundamentação racional para considerarmos a propriedade privada um direito inalienável? Será que todas as leis são justas? Em caso contrário, agir contra a lei não seria justo? A ética procura entender se existem razões válidas para definir algo como certo ou errado, se a religiosidade é um bom critério para definir o bem, se observância da lei garante uma ação moralmente boa e evita o mal, se podemos falar em direitos (e valores) universais. Como podemos notar, a ética é uma reflexão sobre a ação moral, sobre o que torna uma ação boa ou má. Por essa razão, muitos chamam a Ética de Filosofia Moral.

Seria uma tentação dizer nesse momento que enquanto falamos de várias "morais" só podemos falar em Ética no singular. Isso seria uma meia verdade: vários pensadores trataram da Ética em perspectivas diferentes (há portanto, muitas perspetivas éticas). Mas não seria falso afirmar que cada um dos sistemas éticos que já se teve notícia tentou abarcar a totalidade da ação moral. Tentou ser uma teoria geral da moral.

Para o desespero de todos aqueles que esperam do filósofo que fale de ética como alguém que "revela" os novos mandamentos (deveres) que devem ser observados nos tempos atuais, ele só pode levantar critérios racionais para ação moral (ou mostrar que certas regras não têm bons critérios). Nenhum filósofo se disporia a pensar no lugar dos outros e afirmar categoricamente o que deve ou não ser feito. Essa é uma tarefa para seres pensantes, que os filósofos esperam ainda existir por aí.

14 comentários:

  1. Tiago, não abundarei por aqui, tanto por falta de tempo quanto pela complexidade do assunto. Mas deixo constância de que o assunto precisaria ser MUITO matizado. Entre outras coisas, repare que o conceito de moral apresentado é legalista ou kantiano. Por outro, sob o epíteto da “religião” se apresentou uma visão tipicamente islâmica ou protestante. Escrevi algo a respeito em http://narajr.blogspot.com/2010/04/o-ethos-da-utilidade.html. Abraço!

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  2. Oi João, obrigado pela visita.

    Tenho plena consciência de que publiquei um texto limitado, apenas introdutório e problemático (ainda bem). Qualquer aprofundamento demandaria muitas páginas seja para falar da moral religiosa, da moral consequencialista, da moral deontológica, e da utilitarista.

    Sobre religião, para não ficar mal-entendido, sugiro pesquisar a forma como interpreto o termo em outras publicações (http://estadonoetico.blogspot.com/2008/02/minha-filosofia-da-religio.html). Só para demarcar uma ressalva ao seu comentário, os teólogos protestantes referem-se ao cristianismo como fé e outras tradições como religião (eu não me comprometo com essa distinção).

    Sobre o conceito de moral ser muito kantiano, reconheço, eu sou muito kantiano no tratamento de questões morais. Kant não ofereceu um conjunto de leis objetivas, mas somente um critério racional para a ação moral. Kant falha nos dilemas morais (onde penso que o utilitarismo avança mais).

    Gostei do seu blog... obrigado pelas considerações

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  3. Há uma pergunta fundamental feita por Comte-Sponville no livro VIVER: porque devemos adotar posturas morais? A discurssão toma forma a partir da reflexão feita por Platão no Anel de Giges e, posteriormente, adentra outros universos.

    Dentro da filosofia, particularmente, aprecio a ética. Tiago, esse foi um bom texto!

    Breno Bastos
    Gerente do Portal Veritas

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  4. Conheço o texto de Sponville: que tipo de ações eu não me permitiria fazer caso tivesse um anel como o de Giges? Isso corresponderia à minha moral pessoal. Boa lembrança.

    Acho que precisarei publicar uma continuação em breve...
    Obrigado pela visita Lucano!

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  5. Olá!
    Excelente blog! Gostei muito!!
    Penso que cabe aqui incluirmos a Fábula do Cuidado para ampliarmos a discussão... que tal?!

    Rosane Nery.

    Fábula do Cuidado

    “Certo dia, Cuidado, passeando nas margens do rio, tomou um pedaço de barro e o moldou na forma do ser humano. Nisso apareceu Júpiter e, a pedido de Cuidado, insuflou-lhe espírito. Cuidado quis dar-lhe um nome, mas Júpiter lho proibiu, querendo ele impor o nome. Começou uma discussão entre ambos.
    Nisso apareceu a Terra, alegando que o barro era parte de seu corpo e que, por isso, tinha o direito de escolher um nome. Gerou-se uma discussão generalizada e sem solução.
    Então todos aceitaram chamar Saturno, o velho deus ancestral, senhor do tempo, para ser o árbitro. Este deu a seguinte sentença, considerada justa:
    Você, Júpiter, deu-lhe o espírito, receberá o espírito de volta quando esta criatura morrer. Você, Terra, forneceu-lhe o corpo, receberá o corpo de volta quando esta criatura morrer. E, você, Cuidado, que foi o primeiro a moldar a criatura, acompanhá-la-á por todo o tempo em que ela viver.
    E como vocês não chegaram a nenhum consenso sobre o nome, decido eu: chamar-se-á homem, que vem de húmus, que significa terra fértil”.

    (Extraído de BOFF, Leonardo. Ética e moral: a busca dos fundamentos. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 49)

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  6. Não há pura e simplesmente nenhuma diferença relevante entre ética e moral. Veja por exemplo aqui:

    http://criticanarede.com/html/fil_eticaemoral.html

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  7. Primeiro, parabéns. Diferente de tantos outros blogs de filosofia por aí, neste aqui, Tiago, você demonstrou ter boa capacidade intelectual para abordar esses problemas.

    Comentário a fazer: não existem morais, a Moral é uma só, pois que o Bem e a Verdade são únicos. Vale também abordar as leis (divina, natural, humana). Desta forma, estudando isso, acredito que se clarifica o problema de haver uma só ou várias morais.

    Povos terem costumes diferentes não justifica a existência de múltiplas morais. 2 + 2 = 4, aqui e na China, independentemente se o Zé e o chimpanzé digam que não.

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  8. Oi Marcos, obrigado pelo incentivo. Sou tentado a pensar que esse espaço dos comentários é mais importante que meus textos.

    Discordo sobre a existência de uma única moral. Na verdade discordo que haja também uma só ética. No sentido definido pelo texto, moral é um conjunto de normas e valores assumidos como bons. Temos daí que os valores e normas variam de povo para povo e de pessoa para pessoa. Isso não significa, porém, que haja várias verdades e vários bens (apesar de que esse ponto seja controverso, por exemplo, em Aristóteles que assume a existência de vários bens e vários tipos de felicidade).

    A ética, ao contrário, é um esforço de reflexão sobre a moralidade da ação que visa descobrir um critério universal, isto é, objetivo, para o que é moral e o que é imoral. Mas mesmo buscando uma universalidade pela razão, o critério de cada teoria ética pode variar sensivelmente (a lei, o dever, a utilidade, a virtude etc.) Nesse caso temos também várias éticas, mas cada qual propondo um critério que valha tanto para a China quanto para o Zé.

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  9. Não gostaria de floodar seu blog... mas vamos lá...

    Como você mesmo colocou no início, pela etimologia não se diferencia "ética" de "moral".

    Aqui estamos tratando não da Filosofia Especulativa, mas da Filosofia Prática. Esta compreende o "fazer" (fazer uma obra sensível - domínio da arte) e o "agir" (agir conforme as exigências do bem - domínio da moral).

    A Moral, ou Ética, visa a determinar os princípios que levam o homem a atingir o seu fim último, o Bem. Há realmente vários bens: os relativos (dinheiro, saúde, relógio etc), mas um só Bem absoluto, com letra maiúscula.

    Interpretando o seu texto, me parece que o "não matar" da nossa sociedade e o "comer a pessoa viva" dos canibais você enquadraria dentro de "moral" por serem valores, normas de tal e tal grupo. Já por "ética", você se refira à "filosofia moral". Parece-me ser um problema com terminologia.

    Há que se notar qualquer tendência de distinguir "ética" de "moral" na tentativa de justificar atos imorais: a nível pessoal posso praticar X porque não seria imoral, ao passo que no trabalho não posso praticá-lo porque seria antiético. De qualquer maneira, seria uma postura de o homem não se submeter aos princípios da Moral (ou Ética), que servem para lhe conduzir ao seu fim último.

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  10. Deixo-lhe também o convite para ver meu blog: marcos-cafefilosofia.blogspot.com.

    É recente e há pouquíssimas visitas. Sinta-se à vontade para lê-lo e comentá-lo.

    Boa noite.

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  11. Marcos, fique à vontade para debater aqui.

    Entendi sua colocação. E concordo com ela. Talvez estejamos dizendo coisas semelhantes com palavras diferentes. Quando digo que há várias morais (distinguindo-as de ética) não defendo que isso justifique certos atos (por fazerem parte das normas morais de um grupo ou de um indivíduo). Isso seria relativismo.

    Penso que afirmar a existência de vários códigos de conduta explica vários tipos de atitude, mas não justifica atos imorais. O que buscará classificar os atos como bons ou maus em si mesmos é a ética justamente porque a filosofia moral (ética) busca critérios universais (ou como você diz, o Bem absoluto).

    Só chamo atenção para o fato de não termos ainda consenso sobre qual o melhor critério universal(independente de qualquer valor cultural) sobre como definir o Bem em si mesmo. O que também não invalida nossas tentativas de reflexão moral.

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  12. Nossa, ótimo post, dei uma olhada em vários sites para entender a diferença e não tinha compreendido, tudo meio truncado. Aqui, a explanação estava clara. Obrigada.

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  13. Não da para se falar em ética e não se falar em moral , pois uma completa a outra , não ah ética sem moral e não ah moral sem ética mas temos que levar em conta os costumes , culturas , religião e afins de cada pessoa de modo que o que é correto para mim pode não ser correto para o outro isso implica em morais diferentes levando a uma ética geral , acredito que se tenha várias morais , mas a ética no fim de tudo é uma só .

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    1. Oi Cassiane. Embora alguns professores gostem de distinguir entre várias morais e uma única ética, o fato é que essa distinção não é etimológica e deriva das ciências sociais (não da filosofia). Ciências como a antropologia tendem a descrever os costumes e normas de uma cultura como uma moral daquele grupo social. Nesse sentido realmente temos várias morais. A ética é a disciplina filosófica que tenta fundamentar a ação moral (aquela avaliada como boa ou má). Na tradição filosófica, essa distinção não aparece muito clara, já que ética é filosofia moral. Discordo que a ética seja uma só...talvez cada filósofo moral tenha encontrado um princípio que na sua opinião fundamenta toda a moralidade por ex: imperativo categórico de Kant, ou o princípio utilitarista de Mill. Mas esses princípios não são conciliáveis (o de Kant leva em consideração o próprio ato, enquanto Mill prefere focar no resultado. Assim a mentira é sempre errada pra Kant enquanto para Mill pode ser uma ação correta se o resultado for bom).

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